segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ficção, fictividade, fictício

Posso estar incorrendo no maior erro da minha vida, parar meu trabalho para a disciplina do mestrado (que trata, justamente, de ficção) por constatar que até os temas mais difíceis da teoria literária estão absolutamente ligados a essa coisa cruel e divertida que a gente chama de vida. Ficcionalizar é natural e necessário para o ser humano, teríamos, de acordo com uma grande autora que eu tenho a honra de chamar de orientadora, a pulsão de ficção, isto é, uma tendência pessoal inata de ficcionalizar para suportar alguns chatos obstáculos ou potencializar prazeres. Quem escreve, eleva e escancara isso, de uma forma ou de outra. Mas não há relacionamento sem ficção, qualquer ele que seja, do mais impessoal ao mais profundo romance. Ficcionalizamos o primeiro beijo, o motivo pelo qual ele não apareceu, as razões pela qual ela/ele prefere daquele jeito ou daquele outro. Criamos situações imaginárias, projetamos imagens, boas ou más, seja para sustentar uma paixão, seja para, justamente o contrário, evitar que nos apaixonemos. Agora mesmo li que o mal do século XX é o vício de ficcionalizar a realidade. É uma fuga desesperada e eu sei que vocês ficam pensando agora no que é que eu pensei para querer escrever tudo isso. E vocês não podem imaginar como eu crio situações imaginárias a cada segundo, a cada pessoa, em cada sorriso. E, não, não é porque sou mulher, porque homens - ainda que quase não partilhem - também são mestres da ficção. Alguns fazem disso charme, outros, a pior qualidade. Eu só tenho pena de quem não pode e não sabe aproveitar esse dom naturalmente humano de imaginar, que a vida assim, crua e com pintura original, tem tão menos graça do que quando a gente pinta com as nossas cores.

e Deus permita que esse textículo, com x, nunca caia nas mãos do meu professor.

4 comentários:

grazi shimizu disse...

pensava nisso ontem enquanto fumava um cigarro na sacada do meu apartamento. peguei uma caneta e meu caderno, mas não pude verbalizar. magicamente, entro no desamélias hoje e leio o seu texto. uma ficcionalização da realidade, só que ao contrário, aconteceu para mim.

ou seja: adorei o texto :)

Rosa disse...

que delícia de comentário :)

Anônimo disse...

ahh, imaginemos, então, nós leitores, a pudica autora ficcionalizando as mais doces e sórdidas sacanagens explicitamente secretas em busca de sua satisfação (im)perfeita de ficcionalizar tudo e todos ao seu redor para se justificar a si mesma desamélia entre tantas amélias e amélios por aí...

Nay Girelli disse...

Ei querida, gostei muito do seu texto. Vc poderia me mandar a bibliografia que o tem norteado? Quem é mesmo sua orientadora?

Nayara Girelli
naygirelli@gmail.com