segunda-feira, 10 de outubro de 2011

É, mas tem que surpreender...


Há tempos venho notando o quanto eu me apego a coisas muito sutis para me apaixonar, me encantar ou mesmo ficar com vontade de alguém. Essas tais pequenas coisas são as mesmas que despertam um desejo muito louco de ser amiga de uma pessoa: pode ser até o jeito descontraído que ela contou uma história triste. Mas é que não se torna amigo por pouco, mas é por muito pouco que às vezes nos envolvemos com as pessoas. Ele é bonito e inteligente, tudo bem, mas é aquela beleza e inteligência óbvias desde que você olhou pra ele. Ela é meio piradona, descontraída. Aham, mas é piradona e descontraída até demais, em horas impróprias. Eu gosto é de gente que é muita gente, gente que surpreende o tempo todo e que você não cansa de descobrir coisa nova. Faz um tempo que ninguém me surpreende, e eu confesso a vocês que nem mantenho minha expectativa assim tão alta. Às vezes, um comentário outro faz a gente se enganar e dizer: tai, esse é diferente. Mas nem é. Olho em volta de mim, quanta gente surpreendente eu conheço e que bom que são meus amigos. V. é tímida que dói, fica vermelha cada cinco minutos, mas com um bom papo você suga dela os comentários mais maliciosos possíveis, sem contar que, no fundo, é uma latinista que faz contas super bem. A. é retraído, meio gênio humanista que se isola do mundo, mas esconde dentro dele a pessoa mais solidária e generosa que eu conheço, capaz de ajudar qualquer pessoa, o tempo todo. E bebe, e nem filosofa tanto assim alcoolizado. C. é o tipo gostosa, quem a vê na mesa romana da academia não acredita que ela chega em casa e coloca os dedos pra funcionar no pc escrevendo as coisas mais legais que eu leio por aí. E o moço que ela conhece? Diz que joga basquete profissionalmente e sabe tudo de cinema. Quisera eu que as pessoas que eu conhecesse agora seguissem esse padrão, mas não. As pessoas andam sendo exatamente aquilo que elas aparentam ser, sem dubiedade, sem ambivalência, sem paradoxos. Sem surpresas. Não to falando que eu espero flores numa tarde chuvosa de trabalho, nem esses clichês conhecidos que a gente, no fundo, gosta e se surpreende. Eu to falando do moço antipático da festa, mas que cuidou de todas as suas amigas bêbadas. Do nerd que toma sempre um porre comigo, falando de American Pie. Do loucão que chora em comédia romântica e confessa que ama musicais. Do solteiro convicto capaz de fofuras, e de admitir que às vezes gosta (ainda que mais do que queria). Do engenheiro que te recomendou o melhor filme da sua vida. Do tipão que odeia vida acadêmica, mas adora poesia. Essas pessoas existem, mas parece que cada vez menos. Ainda mais na academia (não a de malhar, a intelectual mesmo) onde as pessoas assumem que são especialistas em uma área e não podem, portanto, perder a pose. Ou que são engenheiros e não podem fugir do esteriótipo e, quando acham que fogem, é porque fumam maconha e escutam Los Hermanos. Ser mais de um é mais que isso. E que mundo chato é esse que tem uma cara só e que nunca assusta a gente quando a gente vai mais fundo...

3 comentários:

Carol disse...

eu amo falar com você porque sei que poderemos falar de amor, literatura ou cremes para celulite.

aquele bjo da gostosona da academia.

Adriano Godoy disse...

Falou a nerd-trabalhadora que surpreende na balada e a baladeira que surpreende na universidade e no trabalho.

um beijo do retraído alcoolizado.

Alexandre Piccolo disse...

talvez haja alguma verdade nessa ideia de que as pessoas ao nosso redor estejam ficando cada dia mais pasteurizadas, homogêneas, iguais. mas também pode ser um tanto verdade que nós vamos aos poucos nos transformando com esse infindo rio do tempo, pra usar a velha imagem heraclitiana - que, de algum modo, ecoa numa música das "abóboras amassadas" (vulgo "smashing pumpkins") que diz que "the more you feel, the less you change". Ou, tudo ao contrário, afinal, nunca mais seremos o mesmo, nem o próprio rio e suas águas estarão no mesmo curso quando o cruzamos de novo e de novo... será que perceber menos os encantamentos cotidianos pode significar ter já mudado (a si próprio/a) o bastante para não mais se encantar? acho q há dias em que estamos assim, mais impermeáveis à chuva. mas basta um solzinho pra nos encantarmos nova-mente...